quinta-feira, 26 de maio de 2011

Zoé.



Viva
Pura e simplesmente
Viva
Antes de seu prazo de validade espirar.

Os hábitos sempre regeram minha vida. Todo o dia passava pelo mesmo local, uma ruazinha residencial com pés de ipês de ambos os lados e uma pequena praçajardim no centro da rua. Muitos eram os motivos de eu passar por ali: na primavera um espetáculo de cores e beleza inundava meus olhos; no verão havia a sombra fresca das árvores, no inverno os galhos secos davam-me a sensação de que a vida ainda estava ali, latente.
Mas foi em uma tarde de outono que o vi pela primeira vez. Lembro bem. As folhas caiam ao chão, o vento soprava manso, gelado. Os últimos raios de sol se escondiam atrás das densas nuvens. Nuvens de outono. O vi sentado em um dos banquinhos dispostos no jardim, observava a tudo o que acontecia ao seu redor. O tempo deixara marcas em sua face, seus cabelos brancos impunham respeito. As mãos trêmulas seguravam a bengala.
Dias se passaram e a cena sempre se repetia. A fragilidade do idoso e sua contemplação com seu entorno causavam-me um misto de admiração e curiosidade. Queria saber o motivo da felicidade que brotava de seus olhos e o porquê estar sempre ali, no mesmo lugar. Estaria ele esperando por alguém? Era louco? Talvez...Ou talvez apenas fosse como eu e gostasse da tranqüilidade e da aparência daquela rua e por isso a escolhera como seu recanto.
Acredito que nada é por acaso. Por exemplo, reencontrar pessoas na vida não acontece por acaso, pois veja em um mundo com bilhões de pessoas poderia eu encontrar indivíduos diferentes todos os dias, no entanto eu o via. O vi por duas estações.
As vezes o destino nos prega peças e nos une com pessoas e fatos que podem mudar nossas vidas.
Era primavera. Ipês floridos, coloridos. Frescor no ar. Céu azul, raios solares. Céu de primavera. Avistei-o. Sua costumeira felicidade silenciosa, o olhar bondoso. Tive vontade de me sentar ao seu lado. E sentei.
Inicialmente a estranheza nos confundiu, mas seu riso bondoso me encorajou a cumprir com meu objetivo: descobrir o motivo de tamanha alegria de viver.
Timidamente falei sobre o tempo, as flores, a rua, as casas, quando mais uma vez ele me surpreende e pergunta meu nome. “Saulo. E o seu?” – respondo perguntando o dele. “Benjamin” – diz sorridente, e afirma que sempre me observou ao longe com desejo de conversar comigo. Esta é a minha deixa para saber sobre sua felicidade oculta. Pergunto. Como resposta ouço a história:





“Desde muito jovem sempre trabalhei muito, fui dedicado, esforçado. Queria tudo o que o mundo pudesse me dar e tive. Dinheiro, carros, viagens e um amor: Justine. Vivemos juntos por 30 anos, sempre pensando que o presente era o nosso último instante juntos. Ela me ensinou que não importa o quanto se envelheça, pois a alma permanece eternamente jovem e que isto é o combustível de nossa existência. Mas o nosso último dia juntos chegou. Confesso que não fiquei triste, sei que logo nos encontraremos. Enquanto isto eu venho aqui, pois acredito que este seja o lugar mais perto do céu que eu possa imaginar. Filho, viva, pura e simplesmente, antes que seu prazo de validade chegue ao fim!” – finalizou Benjamin.





Tornamo-nos amigos e sempre que eu passava pela Rua dos Ipês sentava-me para ouvir sua sabedoria. Mas o dia de Benjamin encontrar Justine chegou. Eu mais uma vez me vi vagando sozinho, ou não. Apenas vivia, pois me descobri tão perecível que não sei qual será o instante final. Ninguém sabe. Melhor viver.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Saudade.

Naturalmente sentia saudade
Saudade da vida que não vivera
Dos amores que rejeitou.

Simplesmente ficava saudosista
A fitar o infinito
Pensava nos filhos que poderia ter tido
Nas aventuras que poderia ter vivido
Nos beijos não correspondidos.

Saudade definia muito bem o que fora sua vida
Ausências, faltas e carências.
Viver
E não viver.

Talvez apenas tenha vegetado
Visto o tempo passar
As rugas surgirem
O ir e vir das estações
Tudo sob a sua janela.

Muitas primaveras passaram
Mas ela nunca fora ao parque cheirar uma flor
Chuvas caíram
E ela não sentira as gélidas gotas em sua pele.

Pessoas vieram.
Foram-se.
Morreram.

E ela estava ali
Estanque no mesmo lugar
Esperando algo que não sabia o que era

Mas agora era tarde demais
Viveu uma vida de saudades
Vontades não satisfeitas
Inverdades contidas
Verdades não ditas.

Agora a saudade era parte de si
Tanto que partiria com ela
Afinal aprendera a lição...

Saudade é silenciosa e dói na alma.
E, sinceramente, é uma ferida que nunca cura.
Nem mesmo com a morte.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Restos

Solitárias são as noites sem tua presença.

“Talvez não”, tento me convencer.

Convencer-me a não ser tão dependente.

Dependente de seus braços para aconchego.

De seus lábios me dizendo que está tudo bem.

Convencer-me, eis a questão!

No entanto, restos de você estão por toda a casa.

E em mim.