domingo, 31 de agosto de 2008

Ventos

Ela se sentia só. Era uma solidão fria e cálida. Apesar de estar cercada por uma multidão, ela continuava se sentindo só. Olívia, este era o nome dela, buscava em cada gesto, cada olhar, voz ou sorriso alguém que pudesse amenizar sua solidão.
Nunca falara a ninguém o quanto se sentia só, pelo contrário, ela sempre se esforçou para ser uma garota admirável. Estudou muito, trabalhou mais ainda, conquistou seu espaço, porém a solidão lhe visitava todas as noites em seus sonhos.
Todas as amigas de Olívia encontraram alguém com quem passar os domingos, fosse escutando música, comendo pipoca ou mesmo assistindo filme. Isso sempre foi tudo o que ela mais quis. Porém, o que mais a incomodava não era o fato de se sentir só em meio a multidão, mas sim o de saber que existia alguém que poderia lhe dar o apoio necessário e não o fazia.
Seus pais gabavam-se das conquistas da filha, no entanto, quando ela mais precisava de apoio só sabiam criticá-la, era uma crítica ferrenha e mordaz que corroia a alma de Olívia. Oh, Olívia! Tão dócil, delicada. Sempre buscando não magoar ninguém, era diariamente magoada, justamente por quem ela mais amava no mundo.
Por que isso acontecia com ela? Conflito de gerações, ideologias ou simples implicância? Ela não sabia responder, apenas se sentia vazia de afeto e atenção. Olívia queria se sentir única, apenas isso. Ela queria ser tratada com carinho, por quem quer que fosse. Não suportava mais a situação, chegou a pedir e tentar deixar para trás essa pobre e curta existência. Mas era covarde demais para tirar sua própria vida.
Foi justamente quando ela olhou para baixo que a vida lhe acenou. Nesse instante seu coração batucou de forma forte e única, na levada de um rock and roll. Do outro lado, João, ele era diferente de todos. Ela já o tinha visto várias vezes, mas nunca assim, com um brilho nos olhos e um sorriso mal disfarçado nos lábios. Olhares se cruzaram, o vazio foi preenchido.
Seria fácil escrever que eles foram felizes para sempre, porém ventos contrários sempre existem. E eles sopraram. A primeira vez Olívia fez-se de forte, afinal o que sentia era tão forte e único, indescritível. Eles estavam cativados um pelo outro, tanto que nem sentiram o segundo sopro baforento dos ventos ruins.
O vento soprou mais forte, João não percebeu. Olívia que era frágil, sucumbiu com a força e o mau agouro dos ventos. A covardia abandonou Olívia e então tudo o que sobrou dela foi um bilhete no qual dizia:

“Obrigada por todo apoio que tive de vocês durante essa passagem, espero que agora vocês estejam felizes, pois assim, vocês sempre terão a mim. Espero ser o mais belo troféu na sua estante. A ti João, saiba que te amei, da forma mais inocente que pode existir, e por te amar deixo-te. Viva tudo o que não pude viver, as grades que me prendiam não te prendem”.

Oli.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Canção da Insanidade


Ele sempre foi um Serzinho repugnante. Aquele tipo de pessoa que faz qualquer coisa por dinheiro, não que dinheiro seja totalmente inútil na vida de alguém, mas para ele tudo era reduzido a números e cédulas. De tanto pensar desta forma sua vida foi passando e a cada dia ele se tornava mais repugnante, sua avareza não deixava que comprasse xampu, desodorante ou qualquer outro item de higiene que cheirasse melhor que seu corpo. Corpo este que era tão repugnante quanto seu modo de pensar, ser e agir.
Ao passar Serzinho exalava seu cheiro de suor, queijo e vinagre, mistura que deixava o ambiente carregado e fazia as pessoas passarem mau. Mas do que lhe interessava os outros seres humanos? Um bando de células amontoadas e, que geralmente, não lhe proporcionavam lucro algum, apenas gastos. Gastos do seu tão precioso dinheiro. Ah! Aquele cofre em sua sala de estar era a sua vida, ou melhor, sua vida estava dentro dele. Ao menos era isso que Serzinho pensava.
É...pensava. Até o dia em que conheceu Maria da Luz. Quando Serzinho olhou seus doces olhos castanhos percebeu que poderia ver sua vida através daqueles olhos que lhe sorriam sem pedir nada em troca. Pela primeira vez na vida Serzinho sorriu. E foi um sorriso sincero, amável e desinteressado. Ele não queria nada em troca, ou melhor, queria, queria ficar olhando para aqueles olhos, de repente ele se sentiu tão diminuto e inútil. Logo ele, que nunca precisara de nada além do dinheiro para viver, nunca pensara em ter filhos, mulher ou família. Seus desejos sexuais eram aliviados em casas de mulheres baratas, que aceitavam seu cheiro e seu dinheiro. Serzinho chegou a pensar que até poderia amar a garota vestida de trapos a sua frente.
Do outro lado da cena está Da Luz, como sua tia lhe chamava. Ela sempre vivera com uma velha tia beata e solteirona chamada Gertrudes. Tia Trude preocupava-se muito com o futuro de Da Luz, temia que ela fosse como sua mãe e também morresse de tísica contraída nos prostíbulos da cidade, por isso ensinara tudo sobre santos, igrejas, Deus, anjos e demônios para Da Luz. Mas a lição que Trude considerava mais importante era a respeito dos homens, pois a menina simples do interior, de olhos cativantes, sorriso dócil e andar atrevido, jamais deveria ficar a sós com nenhum deles, pois são todos uns animais inveterados que só pensam no prazer próprio.
Da Luz por sua vez, gostava de tudo o que lhe fosse proibido. Sua tia não fazia idéia de que ela já se iniciara nas artes do amor há muitos anos, ainda com seus coleguinhas de escola. Por isso, Da Luz acreditava que todo o prazer do mundo estava no sexo oposto. Pensava isso até conhecer Serzinho, pois nunca tinha visto ou sido desejada por alguém tão feio e mal cheiroso. Os olhos daquele insignificante homem transpareciam ganância, mas ela nem ao menos sabia o que era isso, apenas sabia que não gostava da sensação de ser observada por tão abominável ser.
Ele a segurou pelo braço, tentando uma aproximação. Ela não sabia o que fazer seu cheiro a paralisava. Foi assim que Serzinho beijou Da Luz, forçosamente. Ele, apesar de não ser nenhum jovenzinho, jamais havia beijado a ninguém, pois nas casas de mulheres da vida não há beijos, beijos são muito íntimos. Quando ele soltou o braço da jovem, encontrava-se em estado de frenesi, suas pernas tremiam, os olhos lacrimejavam e lhe faltava o ar aos pulmões. Quando voltou a si Da Luz sumira, nunca mais ele poria seus olhos sobre sua face trigueira.
Naquela noite Serzinho vagou pela cidade, sonhando acordado com todos os beijos que a moça dos olhos reluzentes poderia lhe dar. A teria de novo, não importava o que custasse, mas ele a queria. Por isso buscava em cada canto da cidade, cada casa, esquina e barco. Buscou aquela noite, nas demais e eternamente. Jamais ele desistiu de encontrar Da Luz, porém não sabia nem sequer seu nome. Seu cheiro piorou, o cofre ficou vazio e Serzinho que tanto prezara seus bens materiais terminou sua vida como mendigo nas ruas da cidade. Quem o via decrépito, não percebia que ele não parava de perguntar sobre uma menina que irradiava luz pelos olhos. Ele que nunca precisara de ninguém para viver, morreu por não ter a luz de seus olhos.
Da Luz após receber em seus lábios o beijo daquele asqueroso ser, saiu desvairada, cambaleante. Sentia o gosto ácido do queijo, o cheiro de suor e as mãos do estranho que a prendera. As sensações eram tão intensas, que ao atravessar a rua, ela não percebeu a carroça que vinha com toda a velocidade, quando escutou o bater das ferraduras nas pedras de calçamento já era tarde de mais, havia tempo apenas para pedir perdão a Deus.
A moça que vestia trapos ficou de tal forma irreconhecível, que foi enterrada como indigente, assim como sua mãe. Tia Trude, que não soubera da desgraça que acometera sua sobrinha, percorreu todos os prostíbulos da cidade em sua busca, não a encontrou. Mas ao contrário de Serzinho, convenceu-se de que Da Luz fugira da cidade com algum homem e decidiu levar a mesma vida de sempre, sem sonhos, ambições ou amor. Enfim Gertrudes poderia vegetar até o dia de sua morte.