segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Canção da Insanidade


Ele sempre foi um Serzinho repugnante. Aquele tipo de pessoa que faz qualquer coisa por dinheiro, não que dinheiro seja totalmente inútil na vida de alguém, mas para ele tudo era reduzido a números e cédulas. De tanto pensar desta forma sua vida foi passando e a cada dia ele se tornava mais repugnante, sua avareza não deixava que comprasse xampu, desodorante ou qualquer outro item de higiene que cheirasse melhor que seu corpo. Corpo este que era tão repugnante quanto seu modo de pensar, ser e agir.
Ao passar Serzinho exalava seu cheiro de suor, queijo e vinagre, mistura que deixava o ambiente carregado e fazia as pessoas passarem mau. Mas do que lhe interessava os outros seres humanos? Um bando de células amontoadas e, que geralmente, não lhe proporcionavam lucro algum, apenas gastos. Gastos do seu tão precioso dinheiro. Ah! Aquele cofre em sua sala de estar era a sua vida, ou melhor, sua vida estava dentro dele. Ao menos era isso que Serzinho pensava.
É...pensava. Até o dia em que conheceu Maria da Luz. Quando Serzinho olhou seus doces olhos castanhos percebeu que poderia ver sua vida através daqueles olhos que lhe sorriam sem pedir nada em troca. Pela primeira vez na vida Serzinho sorriu. E foi um sorriso sincero, amável e desinteressado. Ele não queria nada em troca, ou melhor, queria, queria ficar olhando para aqueles olhos, de repente ele se sentiu tão diminuto e inútil. Logo ele, que nunca precisara de nada além do dinheiro para viver, nunca pensara em ter filhos, mulher ou família. Seus desejos sexuais eram aliviados em casas de mulheres baratas, que aceitavam seu cheiro e seu dinheiro. Serzinho chegou a pensar que até poderia amar a garota vestida de trapos a sua frente.
Do outro lado da cena está Da Luz, como sua tia lhe chamava. Ela sempre vivera com uma velha tia beata e solteirona chamada Gertrudes. Tia Trude preocupava-se muito com o futuro de Da Luz, temia que ela fosse como sua mãe e também morresse de tísica contraída nos prostíbulos da cidade, por isso ensinara tudo sobre santos, igrejas, Deus, anjos e demônios para Da Luz. Mas a lição que Trude considerava mais importante era a respeito dos homens, pois a menina simples do interior, de olhos cativantes, sorriso dócil e andar atrevido, jamais deveria ficar a sós com nenhum deles, pois são todos uns animais inveterados que só pensam no prazer próprio.
Da Luz por sua vez, gostava de tudo o que lhe fosse proibido. Sua tia não fazia idéia de que ela já se iniciara nas artes do amor há muitos anos, ainda com seus coleguinhas de escola. Por isso, Da Luz acreditava que todo o prazer do mundo estava no sexo oposto. Pensava isso até conhecer Serzinho, pois nunca tinha visto ou sido desejada por alguém tão feio e mal cheiroso. Os olhos daquele insignificante homem transpareciam ganância, mas ela nem ao menos sabia o que era isso, apenas sabia que não gostava da sensação de ser observada por tão abominável ser.
Ele a segurou pelo braço, tentando uma aproximação. Ela não sabia o que fazer seu cheiro a paralisava. Foi assim que Serzinho beijou Da Luz, forçosamente. Ele, apesar de não ser nenhum jovenzinho, jamais havia beijado a ninguém, pois nas casas de mulheres da vida não há beijos, beijos são muito íntimos. Quando ele soltou o braço da jovem, encontrava-se em estado de frenesi, suas pernas tremiam, os olhos lacrimejavam e lhe faltava o ar aos pulmões. Quando voltou a si Da Luz sumira, nunca mais ele poria seus olhos sobre sua face trigueira.
Naquela noite Serzinho vagou pela cidade, sonhando acordado com todos os beijos que a moça dos olhos reluzentes poderia lhe dar. A teria de novo, não importava o que custasse, mas ele a queria. Por isso buscava em cada canto da cidade, cada casa, esquina e barco. Buscou aquela noite, nas demais e eternamente. Jamais ele desistiu de encontrar Da Luz, porém não sabia nem sequer seu nome. Seu cheiro piorou, o cofre ficou vazio e Serzinho que tanto prezara seus bens materiais terminou sua vida como mendigo nas ruas da cidade. Quem o via decrépito, não percebia que ele não parava de perguntar sobre uma menina que irradiava luz pelos olhos. Ele que nunca precisara de ninguém para viver, morreu por não ter a luz de seus olhos.
Da Luz após receber em seus lábios o beijo daquele asqueroso ser, saiu desvairada, cambaleante. Sentia o gosto ácido do queijo, o cheiro de suor e as mãos do estranho que a prendera. As sensações eram tão intensas, que ao atravessar a rua, ela não percebeu a carroça que vinha com toda a velocidade, quando escutou o bater das ferraduras nas pedras de calçamento já era tarde de mais, havia tempo apenas para pedir perdão a Deus.
A moça que vestia trapos ficou de tal forma irreconhecível, que foi enterrada como indigente, assim como sua mãe. Tia Trude, que não soubera da desgraça que acometera sua sobrinha, percorreu todos os prostíbulos da cidade em sua busca, não a encontrou. Mas ao contrário de Serzinho, convenceu-se de que Da Luz fugira da cidade com algum homem e decidiu levar a mesma vida de sempre, sem sonhos, ambições ou amor. Enfim Gertrudes poderia vegetar até o dia de sua morte.

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