O toque das mãos
O abraço apertado
Seu cheiro se confundindo ao meu.
Crônicas do cotidiano imaginário de uma mente conturbada...
Quero não querer
Não desejar
Muito menos ansiar pelo seu encontro.
Mas as lembranças gravaram sulcos na memória,
O toque, o cheiro, o riso fácil.
Então ao mais sútil chamado
Respondo. Anseio. Desejo.
Sem medo ou covardia
Apenas cobiçando a felicidade
Mesmo que efêmera
Apenas por um instante,
Mas o que fazer se o instante é a vida.
E a vida é apenas um instante.
Perecível e imprevisível.
Assim como nós.
Não quero mais.
Chega de abraços sem afetos
Beijos sem gosto
E insanas noites de bebedeira.
Não quero mais mãos
Que não se encaixam às minhas
Palavras ditas
Apenas por dizer.
De hoje em diante
Renuncio a existência vazia
De noites escuras
De amores inventados.
Renuncio a companhia de todos
Todos aqueles que não me fazem bem
Todos os que não servem
Que não cabem em minha vida.
De hoje em diante
Tomo as rédeas de meu corpo
E de minha mente
Farei apenas o que gosto
O que sinto
E o que penso.
E penso que não quero mais uma existência vazia
Cheia de ânsia e agonia.
Quero apenas o domingo da alma
E sua calmaria.
Venha comigo!
Nosso tempo é curto demais para ser desperdiçado
Não pense, apenas viva.
Apenas me beije.
“Homens bons de cama abrem seu sutiã com apenas dois dedos – diz estudo”. Em letras garrafais, esta frase chamava a atenção de qualquer mulher assídua do portal. Ali havia dicas de moda, cabelo e maquiagem, sexo, viagem e todo e qualquer assunto que pudesse ser direcionado às mulheres. Por isso o portal era o preferido de Felícia.
Felícia, jovem mediana (não feia e nem bonita), de classe média e de média inteligência. Talvez tudo fosse um tanto quanto medíocre em sua vida, nunca fora excelente em nada, seus sonhos não se realizavam e sua vida amorosa era um desastre total. Costumava abandonar projetos no meio do caminho e era abandonada por todos que demonstrava interesse. Apesar de tudo ainda achava que esta era a vida que merecia, talvez tivesse que pagar por algo que fez em outras vidas, outros mundos. Então ela simplesmente se adaptou a sua existência mediana.
Mas a manchete do portal realmente mexeu com Felícia, não exatamente pelo conteúdo, que cá entre nós não era uma maravilha, mas sim porque a fez pensar em quantas vezes realmente conseguiu se envolver com alguém ou mesmo sentir alguma coisa. Após horas a fio ruminando a respeito concluiu que nunca tivera a satisfação de ser realmente de alguém, apenas relações medianas e passageiras, pois em vida de Felícia nada era estável ou ficava por muito tempo, tudo era muito efêmero, esporádico.
Sobre a teoria dos dois dedos então, ela nem sequer tinha o que falar, pois os homens medianos com os quais havia se envolvido jamais tentaram tirar o seu sutiã, quem dirá com dois dedos - “que absurdo!” – pensava enquanto andava pela casa recolhendo os vestígios de uma noite solitária.
Decidiu que abandonaria aquela existência mediana, os sonhos não conquistados e todos os amores não correspondidos. Viveria com a ânsia de quem não sentiu o sol do verão em sua pele e nem o cheiro das flores da primavera. E foi com essa ânsia que saiu de casa, para compras, afinal vida nova exige aparência nova.
Dia de shopping, salão de beleza e perfumaria. Nascia uma nova Felícia, a fase mediana parecia ter sido deixada para trás, olhava-se no espelho e nem ao menos se reconhecia, era outra mulher e estava ansiosa por mostrar ao mundo em quem ela tinha se transformado. E foi com um sorriso no rosto que ela foi atingida por um ônibus de transporte urbano. Como em toda a sua vida até então, nada sentiu ou viu, apenas partiu.